De que são feitas as meninas?

Lembro da coleção em capa dura, de couro, com ilustrações em tons pastel, versos ligeiros e olhos querendo ler as letras debruçadas no papel amarelado… nos livros do tempo da minha mãe, um poeminha que era assim:

“De que são feitas as meninas?
Açucar, perfumes e outras coisas finas
Disto são feitas as meninas.

De que são feitos os meninos?
Rãs, caracóis, rabinhos pequeninos
Disto são feitos os meninos.”

É mais sem graça, sim, pra nós que já não temos mais tanta fantasia, sonhos e imaginação como quando via saltar daquelas páginas os delicados desenhos e me transformava naquela doce menina…Como quando eu jurava que os meninos eram príncipes…
(…)

OK, não preciso mais que virem príncipes, mas atitude, será que eles têm?
Minha menina, há muito, estranha essa receita de meninos e meninas,
ela faz cara de dúvida, balança a cabeça com ar de superioridade e diz:

“Bobinha, meninos e meninas são feitos de um monte de sentimento,
de um monte de coisa linda e que muitas vezes fica escondida lá no fundo do peito dos caras…

…Meninas e meninos são feitos de imagens mentais, que vão se acumulando com o passar do tempo e que criam verdadeiros muros internos, às vezes difíceis de passar…Quando eles crescem, ficam brincando de esconder, como gato e rato, dão mordiscadas um no outro, às vezes se engancham-rabinho com rabinhho- e outras rolam de brigar, unhas e dentes afiados, até sangrar…Essa gente estranha vive querendo ficar junto, fazer carinho, dar risada e falar da vida e das coisas junto, mas levam um tempo danado pra se entregar e ver que pode ficar tudo bem…”

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Menina sábia essa minha, exerga com os olhos que essa mulher cobriu de medo, e sai a brincar sem outra coisa na cabeça.

Aprendi…

Aprendi a me virar sozinha e se eu tô te dando linha é pra depois….
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Sei que não sou santa
Às vezes vou na cara dura
Às vezes ajo com candura
Pra te conquistar…

…Vim parar nessa cidade
Por força da circunstância
Sou assim desde criança
Me criei meio sem lar…

Aprendi a me virar sozinha
E se eu tô te dando linha
É pra depois te… Han!

…depois que tudo começou – segunda parte da história

…então eu vi a rua se estreitar para trás do carro do meu pai…quando meus pés pisaram em terra firme, não senti firmeza de que era a minha terra…demorei a entender a dinâmica das pessoas dali- e acho que até hoje ainda não entendo bem- eu era uma estranha no ninho, aliás não sentia que era um ninho pra mim. Na verdade, na verdade, eu queria voar pra bem longe dali…

Do alto do meu salto de 10 anos de idade, me lembro do pensamento que me assombrava e me dizia que o meu amor não encontraria alento nos braços de um homem dali…Eu olhava pr’aqueles “projetos de homens” na sala de aula da segunda série do colégio e dizia pra mim mesma:”Não, não, não…essas peças não se encaixarão em você!” Como uma velha sábia de 10 anos, vendo o caminho a seguir e balançando a cabeça.

Uma pausa por aqui…uma “eternidade” adolescente aconteceu…

Aberta Temporada Vermelha…

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Portas abertas pra ser mulherzinha.

Depois dos sutiãs queimados na fogueira, a gente foi tendo que exercer uma energia masculina cada vez que tem que enfiar a cara no trabalho, que ser competente, que resolver coisas e dar a cara, que ser sozinha e valer por si (ou valer por si e acabar sozinha?), que fazer acreditarem em nós, que gritar mais alto e ser ouvida…

…Sabe que isso cansa? Então todos os meses, o corpo acena com bandeira vermelha, e eu tenho uma vontade de entrar na toca e ficar ali, cuidando de mim, fazendo costurinhas, cantando cantigas, vestindo saia rodada, criando coisas belas, cheirando a flor do campo, sorrindo pra menina que habita em mim…Pétala por pétala vermelha se desfazendo e renovando meu ninho, me enchendo de amor, me lembrando que eu sou uma mulherzinha sim, e que nem por isso deixo de conquistar a vida, dia- a- dia, e que nem por isso, precisamos andar sozinhas-armaduras de mentira- pra ser forte diante da fragilidade que há.

Quando a temporada vermelha se vai, a gente esquece que é mulherzinha e segue marchando feito soldado, desvairada no caminho, se perguntando por onde andará? No fundo, no fundo, a gente é assim- cada uma com seu encanto- mas todas querendo um cuidado, uma atenção, um carinho…e quando acontece, a gente se desfaz em flor.

Comer Rezar Amar

Delicia de encontro! Virei amiga dela…nos encontrávamos todas as noites e ela me contava suas descobertas e sentimentos durante a viagem. Eu, como toda mulher “normal”, absorvia suas palavras, fazendo associações com as minhas histórias, vivenciava junto com ela cada passo das viagens feitas por ela: fui à Itália e salivei com os pratos cheios de tempero e aromas (que eu pude sentir daqui), fiz com ela o retiro na India (e ver e rir com as coisas que só lá)  e me deleitei nos prazeres e fantasias da Indonésia. Quando o livro acabou, nos despedimos até a próxima viagem e eu desejei boa sorte (pra mim e pra ela)!

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Quando tudo começou…primeira parte

 

Aconteceu quando eu tinha 7 anos. Ajoelhada no banco de trás da caravan azul do meu pai, abarrotada de história da minha tão pequena vida. Barriga grudada no encosto do banco, eu olhava pelo vidro traseiro, o caminho se estreitar, deixando pra trás a promessa do que eu nem sabia. Os castelos de areia que eu construía, ficando pequenos atrás do vidro de trás da caravan azul do meu pai.

 Meus olhos pequenos e astutos gguardaram, com mais precisão que a melhor máquina fotográfica, a imagem da “minha rua” ficando pra trás. O coração suspirou baixinho que alguma coisa importante a viver ali, ficaria no tempo sem fim.